#2 Contos Esdrúxulos - Depois da Meia Noite
Naquele final de semana a cidade
estava em festa comemorando o dia do padroeiro da cidade com uma bandinha que
sempre tocava nas festas da região, com as barraquinhas de bebidas falsas, onde
whisky 18 anos tinha gosto de querosene, e mesmas pessoas de sempre. Como de
praxe, depois da meia noite várias brigas aconteciam pelos motivos mais fúteis
do mundo e, também como de costume, os mais alterados eram levados à delegacia
da cidade. A briga em questão envolveu oito mulheres e dois homens que brigavam
porque uma delas havia transado com o ex-namorado de outra. Os baderneiros
aguardaram durante o resto da noite em uma sala com escolta policial a chegada
do delegado para então que fosse decidido o que seria feito.
O relógio marcou 08:00h em ponto
quando Dr. Rodrigo chegou e, após uma conversa com os policias que ainda
estavam no plantão, foi até a sala que os fanfarrões estavam e pediu para que
eles o acompanhassem para a sala de treinamento da delegacia. Na sala havia um Data
Show, um púlpito com o notebook conectado ao aparelho de vídeo e cerca de
quarenta carteiras estudantis. Mandou que os fanfarrões sentassem nas primeiras
fileiras e convidou todos os outros policiais que estavam de serviço para que
se juntassem naquele “treinamento” que ele iria ministrar. Sala cheia, mas quem
quebrou o silêncio foi um dos rapazes detidos que indignado se levantou e
disse:
– O senhor deixa a gente
esperando aqui a noite toda, chega, não fala nada... só manda a gente vir pra
cá. Vai explicar o que está acontecendo?
– Primeiramente, SENTA E CALA A
PORRA DA SUA BOCA, SEU FILHO DE PUTA DE MERDA! E se abrir a bosta dessa sua
boca de novo, eu vou pegar um cassetete e bater na sua cabeça até rasgar ela no
meio – respondeu o delegado.
– Senhores, – falou como se fosse
mais uma palestra normal em um dia de serviço – como vocês já sabem eu nasci e
fui criado nessa cidade até meus 18 anos. Fui estudar em Juiz de Fora e depois
de muito esforço consegui me tornar delegado. Tive a oportunidade de voltar
para minha cidade e aqui estou.
Tomou posse do púlpito e começou
a mexer no notebook, enquanto continuava:
– Essas dez pessoas que estão
sentados aqui na frente estudavam na mesma escola que eu, uma turma adiantada –
enquanto falava começou a passar no telão as fotos da época de adolescência dos
envolvidos – Essas garotas eram lindas, as mais cobiçadas da cidade. Qualquer
um daria um braço para namorar com uma delas. Hoje estou com 35 anos, que deve
ser mais ou menos a idade deles também, mas já aparentam estar chegando na casa
dos 50. A questão que quero levantar aqui é: em que ponto aquelas pessoas
lindas, cheias de energia, de sonhos e de planos... se tornarem isso (apontando
para os envolvidos).
– O “ponto”, senhores, não
existe. Não é um acontecimento em questão que transforma uma pessoa com
potencial de crescer em alguém que vive se rastejando por bares, como se
vivesse na espera de uma nova festa. É uma série de fatores que contribuem com
isso. Estamos em uma cidade onde não há indústria, faculdades, nem mesmo somos
uma rota acessível. Estamos a 40 km da cidade mais próxima, que também é um
“ovo”. As pessoas não têm o que abra a mente delas por aqui e acabam fazendo o
que?
– Senhores, olhem para eles.
Vejam bem o tipo de porcaria que a gente tem que lidar por conta disso. Olhem o
tipo de gente que envergonha o nosso município. Eles possuem uma subvida, uma
alma morta apodrecendo dentro desses corpos fétidos, com maquiagem pesada pra
esconder essa cara de vagabunda suja. Esse, senhores, é o tipo de problema que
não podemos corrigir.
– Minha vontade é de dizer que na
próxima briga de festinha vocês não intervenham, que distribuam facas quando a
confusão começar e que deixem que eles se matem, mas infelizmente eu sou a
porra de um delegado.
– Levem esses animais para as
selas que hoje à tarde os levaremos para o fórum para saber o que o juiz vai
decidir. Mas antes disso eu quero apenas que os senhores passem aqui, um a um,
e olhem no fundo dos olhos desses pedaços de merda que estão aqui. Olhem,
sintam nojo desse tipo de gente e vamos trabalhar para que a próxima geração
não seja tão merda quando foi a minha geração. No mais estão dispensados.
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